Oaxaca, no coração do México
À noite, Oaxaca parece feita de luz. As ruas de pedra refletindo a iluminação baixa para pedestres, as sacadas iluminadas das fachadas históricas, os feixes coloridos dançando nas paredes da catedral enquanto caminhávamos de volta para o hotel. A sensação era conhecida e sintomática: eu tinha me apaixonado pela cidade.
Fui pega de surpresa. Quando li sobre “a cidade do interior com grande legado indígena” não pude imaginar o colorido das construções, a vida dos cafés, a gastronomia complexa, o movimento nas ruas até tarde. Não sei o que esperava, mas com certeza não esperava gostar tanto da ex-terra dos Mixtecas e Zapotecas, hoje capital de um dos estados mais pobres do país.
Essa pobreza com certeza é só material, pois a mistura de tradições e etnias produziu um caldo cultural riquíssimo, facilmente comprovado ao mergulharmos na gastronomia local, que misturou elementos da exótica culinária mexicana pré-hispânica com os exageros barrocos dos tempos coloniais para criar pratos únicos de fama internacional. Há tanto o que degustar em Oaxaca, que sua viagem pode acabar virando um tour inteiramente gastronômico.
As opções são inúmeras. No mercado da Rua 20 de Novembro, pode-se provar grilos fritos e tejate, uma bebida à base de cacau, canela, milho e outros ingredientes, tomada há mais de 4 mil anos na região. Na Casa Crespo e em lojinhas na esquina do mercado com a Rua Mina, a especialidade é o chocolate, feito com chiles e especiarias. Há também uma série de restaurantes refinados que fazem uma releitura mais moderna de elementos tradicionais. O La Biznaga oferece ótima “cozinha mestiça” em um pátio colonial disputado por moradores e turistas. Já no La Olla, a cozinha é adaptada com elementos orgânicos e mais saudáveis, porém não menos saborosos. É lá, inclusive, que acontece um dos cursos culinários oaxaqueños mais disputados. Por 75 dólares, você passa um dia inteiro com a chef, das compras no mercado municipal, ao preparo e consumo de pratos típicos.
Para harmonizar tanta comida boa, todos fazem shots de uma bebida exclusivamente mexicana… Tequila? Não, mezcal! Enquanto sua prima mais famosa é feita somente de agave azul, o mezcal pode ser produzido de várias variedades. Porém, é no processo de produção que as diferenças são mais visíveis. Para a fabricação de tequila, a planta é cozida lentamente em fornos a vapor ou em grandes panelas de pressão industriais (chamadas autoclaves) até que todo o amido seja convertido em açúcares. Já na produção de mezcal, a agave é assada em fornos subterrâneos aquecidos com carvão, conferindo à bebida seu sabor defumado diferenciado. Após passar pelo forno subterrâneo, a planta é esmagada (tradicionalmente por um cavalo em uma roda de moagem) e depois desfiada para extração do suco doce resultante, conhecido como aguamiel. Existem inúmeras receitas para fabricação de mezcal, que utilizam não só diferentes espécimes da planta, como também frutas, condimentos e até peito de peru (meu tipo favorito).
Nosso tour pelas destilarias da capital mundial do mezcal, Santiago Matatlán, foi um capítulo à parte. O Alvin, nosso guia e connoisseur reconhecido de Mezcal (mezcalier), transformou o passeio em uma apaixonante viagem pela história local, regada, é claro, a muita bebida. Em vez de nos levarmos às fábricas grandes e comerciais, passamos por destilarias artesanais e familiares. Além de aprendermos sobre o processo tradicional de fabricação, conhecemos paisagens, pessoas, histórias. Por si só, Alvin já é um personagem e tanto. Ex-advogado canadense de sucesso, abriu um bed & breakfast com a esposa em Oaxaca e desde então tem sido um embaixador do mezcal. Sua história de vida é mais um lembrete de que nunca é tarde para fazer o que se gosta.
Competindo com a gastronomia pelo título de “razão número 1 para visitar a cidade”, está um dos sítios arqueológicos mais famosos do México: Monte Albán. Sobre uma colina a dez quilômetros de Oaxaca, estão antigas construções zapotecas datadas entre 500 e 800 A.C. Monte Albán foi a primeira cidade do continente americano, chegando a ter 35 mil habitantes. Mesmo depois de seu abandono pelos zapotecas, outros povos continuaram a usar seus edifícios por pelo menos mais mil anos. As ruínas estão muito bem preservadas e incluem um museu com os artefatos ali encontrados. Mesmo assim, agende um tour com guia para melhor compreender os fatos históricos e importância de cada construção. Recomendamos também uma visita ao Museo de Las Culturas de Oaxaca, anexo à belíssima Igreja de Santo Domingo, no centro antigo (57 pesos). Organizado em ordem cronológica, dos povos antes de Cristo até a atualidade, é mais fácil de compreender como as civilizações pré-hispânicas influenciaram as tribos indígenas da região. A visita ao museu também é um ótimo jeito de fugir do calor escaldante à tarde, quando caminhar pelas ruas é sinônimo de fazer sauna.
No final do dia, assim que o sol der uma trégua, a pedida é passear pela zócalo, sempre cheia de vida e acontecimentos, como os shows de música que presenciamos pelos 481 anos da cidade. Outra boa opção é caminhar pelas ruas Alcalá e Garcia Virgil, que têm lojinhas, restaurantes e bares mais bonitinhos. Para comprar presentes, a Casa de Las Artesanías e a La Plaza (uma do lado da outra na rua Matamoros) oferecem lembrancinhas a preços mais em conta, e você ainda ajuda a população local, já que os dois lugares são cooperativas. Já na Javier Servin, loja de um artista oaxaquenho mais famoso, você encontra artesanatos mais elaborados, com lindos objetos para decorar a casa.
Achamos Oaxaca um daqueles lugares com a mistura exata para viajantes: cultura, arquitetura bonita, gastronomia premiada, atividades de aventura, vida noturna. Para mim, a cidade deixou um sabor único, uma receita perfeita entre o novo e o antigo, os restaurantes modernos e as tendinhas de comida tradicional, entre a história das culturas milenares e a busca por mudanças. A verdade é que a cidade pulsa no interior do país, imprimindo sua marca cheia de vida em viajantes desavisados como nós.
OUTRAS INFORMAÇÕES:
- Oaxaca é pronunciado “Uarraca.”
- Tour de Mezcal: 150 dólares (casal) por 6 horas de passeio personalizado. Contato através do www.casamachaya.com.
- Cursos de Culinária: Geralmente das 10 às 14 horas. Casa Crespo, 65 dólares/pessoa. La Olla, 75 dólares/pessoa.
- Tour guiado para o Monte Albán: 207 pesos (150 do passeio + 57 do ingresso para o sítio arqueológico).
- Táxis: da rodoviária até o centro: 60 pesos, do centro ao aeroporto: 150 pesos.
- Ficamos no Hotel Parador San Andreas, que é mais uma pousadinha simples (54 dólares a diária pelo site Agoda, tem quartos amplos, porém não oferece café da manhã ou ar condicionado). O atendimento é excelente, mas é melhor buscar outras opções caso luxo/conforto for imprescindível.
Várias experiências diferentes em uma só cidade! E para terminar, ainda engraxaram o meu sapato na praça central!!
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